“Era um ensolarado dia de verão quando Marina conheceu Fernando. Homem lindo, dono de um largo sorriso e absolutamente gentil e delicado, Fernando conquistou rapidamente o coração de Marina, que há tempos não batia assim por alguém. Foram necessários poucos dias para que o desejo de se encontrarem mais e mais crescesse, como tinha de ser. Afinal, assim são as coisas do coração. Insondáveis e incompreensíveis. Intensas e avassaladoras.”
Qual a sua expectativa para a continuidade deste conto? O que você deseja à Marina e Fernando? Imagino que, assim como eu, você deseja que se encontrem mais e mais e que, em se encontrando, encontrem-se com tudo aquilo que o amor traz de extraordinário.
Mas, e se considerarmos que Fernando é paraplégico. O que muda? “Nada”, provavelmente você dirá! Sim, de fato nada muda entre o amor e as possibilidades de felicidade deste casal. Contudo, há que se considerar que eles poderão ser privados de várias experiências se a sociedade não lhes for generosa e se a cidade onde vivem não for acessível.
É neste contexto inclusivo e completo que precisamos pensar em mobilidade urbana. Antes de mais nada, é preciso entender o conceito: mobilidade urbana é a reunião das formas e meios utilizados pela população para se deslocar dentro do espaço urbano. E aqui, para que a história de Marina e Fernando se desenrole como imaginamos, há dois fatores importantíssimos a serem superados.
O primeiro deles é a inclusão do tema mobilidade nas políticas públicas, incluindo aí o planejamento e a implementação de ações que melhorem a acessibilidade e a mobilidade de pessoas e cargas nas cidades e, junto com isso, integrem diferentes meios de transporte. Notem que, por enquanto, não estamos falando de acessibilidade para pessoas com deficiências.
Embora sem muitos resultados práticos, o Brasil tem desde 2012 uma Política Nacional de Mobilidade Urbana, cuja aplicabilidade deveria ser obrigatória para cidades com mais de 20 mil habitantes. A determinação inicial era que, até 2015, todas as cidades com este perfil deveriam contar com um plano de acessibilidade urbana que melhorasse o deslocamento das pessoas; integrasse diferentes meios de transporte; e estabelecesse um preço acessível para as tarifas dos mesmos.
Acontece que, até o final de 2015, apenas 5% das prefeituras brasileiras prepararam seus planos e o prazo foi prorrogado para 2018. Ou seja, para que a história de Marina e Fernando continue como imaginamos, é preciso, primeiro, que esta lei seja cumprida.
Falando em lei, se levarmos em conta que Fernando é paraplégico, é preciso que uma outra também seja cumprida. O artigo 46 da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), promulgada em 2015, prevê que “o direito ao transporte e à mobilidade da pessoa com deficiência será assegurado em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, por meio da identificação e eliminação de obstáculos e barreiras ao seu acesso”.
E não se trata apenas de garantir a oferta de veículos adaptados. Em São Paulo, por exemplo, a SP Trans informa que mais de 50% de sua frota de ônibus e micro-ônibus são adaptados para cadeirantes. Se vivesse em São Paulo, Fernando teria transporte público, mas enfrentaria uma dificuldade enorme para conseguir chegar a um ponto de ônibus, isso por conta de calçadas esburacadas, meio-fio sem rampas, postes mal colocados e uma série de outras barreiras e obstáculos que, ao contrário do que prevê a LBI, não foram identificados e eliminados.
Enfim, pensar em mobilidade é pensar, antes de mais nada, em todos. Temos que ter vagas acessíveis, mas também garantir o acesso a elas, como passo inicial. Mais que leis, é preciso que compreendamos a beleza do conceito do “desenho universal”, onde tudo é desenhado para todos, incluindo aí o passeio público, as vias, os semáforos, o transporte coletivo, os táxis, os estabelecimentos comerciais, etc. Muito mais inteligente do que uma escada com uma rampinha ao lado é pensar numa rampa espaçosa, por onde todos passem; é pensar em calçadas sem meio-fio; é pensar em estabelecimentos comerciais com portas amplas e banheiros acessíveis. Tudo mais inclusivo, mais inteligente e mais racional.
Planejar nossas cidades desta forma seria bom para a Marina, bom para o Fernando e bom para toda a sociedade. Claro que há conquistas e que avançamos muito nos últimos 30 anos, mas ainda há uma distância enorme entre o existente e o ideal. Para cumprir este trajeto, é preciso buscar o que entendemos ser justo e necessário para todos e isso exige uma nova atitude, mais positiva. De todos.
Acredito muito mais num bar que provê acesso a partir do desejo genuíno de atender melhor a seus simpáticos e festivos clientes cadeirantes, do que em comerciantes que providenciam uma rampa “de mau jeito” apenas porque a legislação assim determina. Com mais atitudes como esta, a história de Marina e Fernando poderia terminar assim, da forma como todos desejamos:
“Marina e Fernando encontraram-se muitas e muitas vezes. Almoços apressados em meio a exaustiva rotina de trabalho, em busca de um beijo roubado. Passeios de mãos dadas pelo parque. Sessões de cinema sem assistir ao filme. Tudo era motivo de encantamento. Tudo os fazia felizes, desde uma pizza na casa dos tantos amigos, até um jantar à luz de velas no melhor restaurante da cidade, afinal, Fernando e Marina haviam encontrado um ao outro. Haviam encontrado o amor.”